"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O destino de uma folha


Qual o sublime que a espreitara? Pudera eu ter perguntado? Sentira seu esforço por me dizer. Estava eu ali, consolando-a no seu mais íntimo desespero, o qual a própria me confiara. A fronte seca e vertiginosa me sorri. Sorriso expressivo, compassado, como se quisesse se comunicar. Os olhos eram de uma cumplicidade romanesca. Haveria me dito profundos desvarios, ou talvez não houvesse me dito nada.  Como saber? Olhos agarrados a mim como uma prece, como um grito dado ao largo, enfurecido e trêmulo, indubitavelmente trêmulo, e de maneira tão cruel que chegara a roçar em mim simpatia e dó. O ar em movimento a carregava de um lado a outro dando gritinhos imprecisos, como que brincasse. Contudo, achava-se alheia àquelas investidas pueris. Desbotada pelas tintas do sol, queimada pela excelência mesquinha do fogo. Rija. A folha mais guerreira com a qual me deparara. Firme como uma pedra. Que caminho a haveria empurrado àquela situação? O vento a brincar a arrebatara a um rancho de pedras-moles, e na condição de velha e cansada, já não a animara esforço de recomeço. Deixara-se ficar. Quantos ensinamentos aquela velha folha me trouxera. Mas já era de tudo tão tarde, e de tal forma que cheguei a sentir o gosto do fim em minha boca. Lá, inerte, resignada, forte. Com a ajuda de um punhado de vento seco, erguera os bracinhos, finos como gravetos, como que um convite a um abraço. Tentara discorrer algo num esforço inútil. Meus olhos começara a suar do lado de dentro. Porque haveria eu de chorar por ela? Qual seria o motivo significante daquele encontro? Aquilo que nunca se descobre, mesmo que se pergunte, mesmo que caia. O peso da chuva sob a fragilidade de seu corpo o fragmenta, e evapora pelo ar, como algo inacabado, impreciso, como um sonâmbulo a vagar pela vida na esperança de que uma madrugada cinzenta venha abrir os seus olhos. E recua. E descansa. Como o sândalo em cinzas, como uma folha partida ao meio.

4 comentários:

Antônio Dias disse...

Quanta percepção, Karoline!

Adoro os teus textos, sempre.

Um abraço.

Maria disse...

Perceber a beleza nas coisas mais simples da vida é pra poucos mas vejo que vc o faz divinamente...perfecto rss

Unknown disse...

Essa é minha irmã. Jóia rara em meio ao cascalho bruto, frio e inerte. Translucida beleza de um ser na mão da vida, que suprime a dor e converte-se em búsula nas tormentas inclementes do tempo.

Jr

Júnior Matos disse...

E sempre meus olhos se enchem de suor ao te ver em poesia.
Bom caminhar nas tuas palavras, saudades de ti!