"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Poética da saudade



Murmúrios de aves sonâmbulas completavam a paisagem em decadentes mantras, e se iam. Era assim. Um carrossel com cavalos inertes, presos no tempo, como que uma espera. Balanços, mesas, brinquedos de cordas, o soldadinho de chumbo, tudo era silêncio. Passos empalidecidos pela proximidade da noite, compassados, ouviam-se, distantes.   Pequenos carvalhos amiudavam-se à flor dos olhos, como que um punhado de sonhos dispersos na claridade do dia. Mas a atmosfera me segredava algo bom. Querubins amarfinados velavam discretos um pequeno jardim de inverno, esquecido, repleto de presenças pétreas. A dança das horas sucumbia nervosa ao cinza desbotado da pálida neve, que fitava silente a simetria dos meus olhos, aqueles olhos...
Nuvens desbotadas riscavam na paisagem estranho desenho, como que pedaços de lugar nenhum contornando o vazio.  Tudo era vertigem. Tudo era cansaço. Neblinas curvavam-se como pálpebras cansadas ao horizonte dos mares. Ao longe, estranha brisa se desfazia em sândalos, como névoas invernais. Pétalas quebravam-se débeis, como cerâmicos rouxinóis, em cânticos. E a curva dos teus olhos delineava na paisagem ecos a muito perdidos (nos sonhos). E refletia presenças, e abria espaço.