"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



domingo, 8 de agosto de 2010

Na Estrada

Um véu quase negro cobriu o céu em silêncio. Fazia-se noite. Na verdade, era ausência de luz em mim, ou quem sabe um grave inverno.  Dia cinza. Não era frio, mas havia frio por toda a  parte. Pelo caminho, viam-se flores voluptuosas e rubras, qual cortesã descortinada, e um discurso morno que saiam delas, como se implorassem o beijo frio do invisível, e uma furtiva lágrima a escorrer por suas faces. Não me lembro bem. Uma estátua marmórea refletia nas cinzas murchas dos dias de ali seus olhos, sempre fixos. Deveria ser um mocho. Num canto de ausência, ouviam-se crianças. Éramos três, e brincávamos com as raízes e a brisa fria daquele precipício... Aquilo me causou medo. Aquelas cirandas poderiam não mais existir. Caminhei pelas frestas do tempo e vi os pedaços de ais e de penas que lá germinavam.  Não eram muitas, mas suficientes para regar a face. Pequenos fragmentos de nada num canto de lugar nenhum. Eu via vozes e ouvia pessoas, mas não as entendia... E meus olhos estavam cerrados. Não, não eram os meus, eram os dele. Sim! Suas pálpebras estavam cerradas. Espreitei-o. Mas era intransponível, nenhum facho de luz as ultrapassaria. Aquelas pálpebras... Já tão vazias. Resignei-me. Seus olhos já não estariam lá, não mais. A menina-luz que reluzia neles, tardou, e a luz, que era mínima, não suportou a frieza daquele fim de tarde, e findou. Ainda chamei-o, tentei agredi-lo, feri-lo... Mas não reagiu, ele não reagiria a mim. E afastou-se. Lá fora, o céu assumiu um tom grafitado, e cá dentro, um abismo de mil nadas.