"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



sexta-feira, 11 de março de 2011

Os interstícios do ser


                     “Serei um habitante do mundo, apesar do mundo”. G. Bachelard

Não seria os teus olhos um interstício do ser? Sim. Os meus não. Os meus têm o dom de metamorfosear o invisível. E abrir espaço. Quando metamorfoseiam no céu, nuvem por nuvem decresce disforme.  As nuvens são disformes. O céu também.
No infinito de olhar os olhos habitam. Quando estrelas crepitam de luar, nuvens e pálpebras se quebram invisíveis. Na medida dos olhos teus, esta cosmologia seria apenas um olhar poético (cruci)fixo em um cobertor ralo de estrelas surradas, que protege debilmente o berço que sonha. Os meus não. Os meus fotografam memórias ocultas em manhãs de cinza.
Quando na Grécia, em um jardim qualquer, Nix envolta dos densos mantos espelhados dos orvalhos e de querubins malfeitores, anuncia em gestos pétreos as sentenças clarividentes da morte, meus olhos integram-se aos ecos ruidosos do universo em um coro ditirâmbico, enquanto o belo e o trágico metamorfoseiam-se confundidos.
Em teus olhos não existem elementos trágicos, nos quais comportem a sublimidade do belo. A não ser um retrato mal pintado da mulher de Ló, cuja vida doou por um último olhar. Mas o verdadeiro anelo da mulher de Ló não era a magia que se encontra em reflexos invisíveis de pálpebras abertas. Assim como Nix, anelava o belo imutável da petricidade.
Eis a profundidade dos olhos teus! Os meus não.  O sintoma de olhar me cega, e adoeço de invisível.
Os teus configuram-se de pupila, metamorfoseando almas.

9 comentários:

Ana SSK disse...

os meus fotografam qualquer coisa que eu penso estar fora de mim....mas a minha lente está para dentro!

que escrito belo.

Karoline Serpa disse...

Mas é isto que o fora nos propõe.

"Seu fora se estende para fora de si em um dentro absoluto". M. Fontes

Obrigada pela visita.

2edoissao5 disse...

e quando eles enxergam "através de" podem nos causar tantas surpresas...

Breno Melo disse...

Olá, Karoline! Que bela surpresa topar com seu blog! Há poemas nele e há poesia em outras partes tb, nos textos em prosa! Belo blog. Belíssimo! É sempre bom encontrar outros blogs q se dedicam à poesia, no todo ou em parte! Tenha um excelente dia! ;)

Breno Melo disse...

Ah, sim! Eu havia me esquecido de te elogiar pelo "papilio innocentia"! É o nome de uma nova espécie de borboleta, como aparece em Inocência! É um livro antigo, mas ainda hoje bastante lido! ;)

Karoline Serpa disse...

Oi, Breno, obrigada pelas visitas!

Sim, foi a partir de Inocência mesmo que surgiu o endereço do blog.

Livrinho bom de infância!

ANGELICA LINS disse...

Metamorfose de almas deve ser algo: INEFÁVEL

Lindo seu blog =D
Parabéns!
Beijo

Nina Amorim disse...

A fragrância de todas as flores quando acordam não se limita ao Rilke, mas a todo aquele que transforma as interrogações e a rudeza dos dias em poesia.

Um beijo, querida.




Em tempo, a Nix do Bouguereau...

http://en.wikipedia.org/wiki/File:William-Adolphe_Bouguereau_%281825-1905%29_-_La_Nuit_%281883%29.jpg

Maria disse...

Fico feliz em ver seu trabalho tão rico e belo sendo elogiado amiga vc merece! um blog maravilhoso como esse longe de todas as futilidades que sempre encontramos por aí nossa parabéns!sou sua leitora aciva sempre!