"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Memórias sustenidas


                                sentimentos em Fá Maior a Silviano Serpa, meu avô.

          Chorinhos. Partituras discordes e uma Bohemia. Retratos.  Ouvi em algum lugar e ficou guardado nas gavetas do inconsciente. Dizia-se que “nenhuma coisa existe onde a palavra quebra”, ainda digo, onde um acorde quebra, e certamente não. Acaso lembranças. E tudo já se diz, por si só. Havia tempos. Tempos que se perdem de vista, ou nos perdem, contudo não nos deixam de todo, e melhor, nos abraçam em meio à vazios existenciais, e à própria existência a qual se apoiam. E como até, que para atenuar lembranças.
          Ainda sinto o cheiro da fumaça em que se debruçavam as noites trigueiras, as quais presenciava cheia de percepção e encantamento àqueles contraltos em dueto. Ao som de violões e bandolins, os dias de infância pareciam cânticos, e dançavam, como se fossem os bemóis por ele emitidos, ou melhor, por ele doados, com toda a maestria de um trovador. Risos soltos pelas escadas, janelas acordadas, como que à espera de um pequeno esgar de um sustenido trazido pelo vento. Esquinas de portas abertas, mesas. As ruas sorriam como crianças em dias de brinquedos.  As ladeiras com seus olhos de lua, recitavam trovas à esperança daquelas vozes dissonantes que lhe acompanhariam em suas madrugadas nuas. Quartos quietos, cigarros, jogos de mesa, Nelson. Roncos de cuíca ecoavam.  As meia-luzes das noites vadias confundiam auroras com chorinhos de ouro. Memórias assumiam trejeitos de puta. A fumaça dos cinzeiros abarrotados de filtros de cigarro barato pesava o ambiente. Ao pé da ladeira, violões corneados discutiam fossas.  Ao cume, alguém declamava as memórias do Café Nice. Saudade.

4 comentários:

Henrique disse...

"Risos soltos pelas escadas, janelas acordadas, como que à espera de um pequeno esgar de um sustenido trazido pelo vento".

Ah, a boemia...

Você escreve demais.
Parabéns!

Helena Castelli disse...

... aqui também bate o sineiro
um sino doce, pequenino
e da branca torre, no Natal,
todo ano como num encanto
desce do Deus menino
um soprinho.
(Fernando Campanella)

Desejo que já estejas usufruindo com seus familiares e amigos... das bençãos que nos trás o Natal.

Beijos de Feliz Natal!

Rhalyne disse...

FASCINANTE, diria.

Jefte disse...

E a vida não tem partitura... talvez por isso seja mais amena aos leigos - que, boêmios, sabem sim ser mais felizes, ser bem mais samba, essa gente bamba e de tanta cor (ainda que esta seja quase toda cinza)!