"A arte existe para que a realidade não nos destrua." Friedrich Nietzsche



sábado, 25 de setembro de 2010

Inquietudes

Beijo de córneas. Senti-me profundamente beijada. Minh’alma encheu-se de pupila. Das tuas. E assim, como estava, achou-se fria, e suava púrpura, como nuvens naquela valsa idiota de sedução para atrair somente a poeira daqueles raios antipáticos do sol. Pobres nuvens histéricas. Aquele céu parecia não ter fim. Inquietei-me. Busquei o cortejado. Fitei-o, sem objetivo. Aquele brilho soberbo e terrível me magoou os olhos, que caíram atordoados, como pássaros em seu primeiro voo. Reti-me por instantes àquele espetáculo de insignificâncias. Ouvi os rumores do tempo. Os passos se alargavam escada acima, como uma prece. Como uma fuga. A tarde encolhera. E mais uma vez beijada, conjuntivamente beijada, encolhi-me também. Reuni um punhado de passado, enrugado e frio. Eram somente as sobras de um retrato desfeito em pó e fosforescências.  Deixei-me ficar através dele, naquele vácuo asco, cujo madeiro servia de morada a cupins e a crepúsculos que se escondiam com medo do dia [e de ti], e cuspido de tintas ralas que o tempo se encarregara de desbotar e formar medonhos desenhos antropomórficos. Aquele lenho me trouxera estranhos avios. Desvencilhei-me daquele lugar funesto. De mim. Daqueles beijos epidérmicos... Via-me beijada e acarinhada. Pupilas de estrelas, e de céu dilatadas. Parvas pálpebras, subjugadas rente àquelas córneas delgadas e terrificantes. Um calafrio estremeceu-me as espinhas. Uma pancada de desejo escureceu-me a visão. Corri com unhas e dentes, com credos e facúndias.  Um misto de cobiça e de cansaço arrefeceu-me as pernas e caí resignada naqueles espaços cósmicos e voluptuosos. Um véu de precipícios sob teu olhar me fitava, como aquele tecido de sombras sob o rosto do sol, que agora jazia num berço de estrelas sonâmbulas e acesas como um campo de neve.  Reflexos de constelações que se apagavam. Córneas fitas em mim. Vã seria a luta contra elas. Contra esse monstro luminoso que se oculta nas paredes da noite como cicatrizes de fogo. Como discurso de pedras. Como rastros de pólvoras que rasgam o vento. Nos pulmões, nenhum resquício de ar. Meus poros buscavam-no por brechas de brisa seca, minhas faces já não eram minhas. Até a natureza, tudo me abandonara. Somente reflexos de uma planície vazia. O véu da madrugada acordou as nuvens, que me fitaram entediadas. E a coluna do céu, mesmo sob aquele colchão algodoado de nuvens, levantou-se fatigada em consequência daquela desordem noturna. O dia renasceu. E com ele, as minhas resistências, estioladas. Já não tinha ânimo para lutar, contra [ele]. Contra mim.  Contemplei o céu, e abaixo dele, um belo silêncio de pálpebras, e o calor de um (re) começo, de tarde. Aquele bicho agarrou-me pelas córneas, e pelos dedos e àquele músculo barulhento e negro que inquieta a alma e os nervos. Aqueles músculos. Aquele monstro. O amor.